1.
agita os dedos da mão sobre a camisola de lã, desalojando migalhas que se habituam rapidamente ao chão. a mecânica de sacudir é rápida, mas há, nessa velocidade repetitiva, uma absoluta calma.
2.
senta-se com um livro sobre os joelhos. abriu-o, procura uma certa página. avança e recua no tempo das páginas. passa magotes delas. tira os óculos, com certo suspiro, trinca uma haste: a haste, em massa, parece um ponto de interrogação, como símbolo do seu pensar foragido mordiscando uma pergunta. desiste do livro.
3.
tosse. leva uma mão à barba não barbeada. ouve um ruído entre o frio e o quente. coça a nuca.
4.
a mulher está com um olhar abstraído, como esquecido de olhar, desfocando. o mínimo gesto acordaria este olhar, interromperia a distracção, como um brusco temor. mas ela contém-se: está quieta, suspensa da sua vida, descansando em seus pensamentos proventura interditos.
5.
ele encosta-se à janela. repara no seu reflexo e, através do seu reflexo no vidro, vê lá em baixo as árvores em que pousam os pássaros e o sol. tamborila com dedos. um dedo que parece passar a energia ao outro, que a passa ao terceiro, que ao quarto, que devolve o movimento ao primeiro, numa rotação de dedos que produz um som de madeira.
6.
e ela ergue-se, porque algo lhe apedrejou a distracção; (toda a distracção é uma adúltera: e apedrejam-na): e pergunta-lhe qualquer coisa. mas o homem não ouve e a mulher não torna a perguntar.
7.
também uma pergunta que se não ouve é um gesto invisível.
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
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