sábado, 12 de fevereiro de 2011

teorema

tens a exactidão e o pudor de um teorema matemático.

unicamente por isso,
é que a tal ponto desejava passar sombrios, desprezadores dedos nos teus cabelos,
tuas chavetas contidas
[ou serão parêntesis rectos contendo
símbolos sem a menor angústia existencial?]

desejaria, só por isso,
encarnar momentaneamente duchamps
e ter coragem de em ti desvendar um repelente bigode
que defina o teu sorrir sem tristeza nem alegria.

não é que falte algo à tua perfeição:
a não ser,
bem entendido,
o drama vital das imperfeições.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

toda a beleza é uma escolha

o seráfico vagar aristocrata ou a veloz dispersão anarquista?
a ondulante imobilidade de um cabelo ideal ou o bravio desgrenhado teu?
o sorriso da gioconda ou o riso irresistido?
a melodia da fala ou a fala incerta e duvidosa,
a nítida sombra que aperfeiçoa o mundo ou a luz gritante que não deixa olhar?

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

busca

tal como um perfeito feito mágico
de um conto das mil noites e uma noite mais,
o que sucede é que,
na tua ausência,
és sempre tu quem me aparece
aqui em mim dentro,
seja qual for a frase que eu inscreva
no google da minha memória.

os gestos invisíveis

1.
agita os dedos da mão sobre a camisola de lã, desalojando migalhas que se habituam rapidamente ao chão. a mecânica de sacudir é rápida, mas há, nessa velocidade repetitiva, uma absoluta calma.

2.
senta-se com um livro sobre os joelhos. abriu-o, procura uma certa página. avança e recua no tempo das páginas. passa magotes delas. tira os óculos, com certo suspiro, trinca uma haste: a haste, em massa, parece um ponto de interrogação, como símbolo do seu pensar foragido mordiscando uma pergunta. desiste do livro.

3.
tosse. leva uma mão à barba não barbeada. ouve um ruído entre o frio e o quente. coça a nuca.

4.
a mulher está com um olhar abstraído, como esquecido de olhar, desfocando. o mínimo gesto acordaria este olhar, interromperia a distracção, como um brusco temor. mas ela contém-se: está quieta, suspensa da sua vida, descansando em seus pensamentos proventura interditos.

5.
ele encosta-se à janela. repara no seu reflexo e, através do seu reflexo no vidro, vê lá em baixo as árvores em que pousam os pássaros e o sol. tamborila com dedos. um dedo que parece passar a energia ao outro, que a passa ao terceiro, que ao quarto, que devolve o movimento ao primeiro, numa rotação de dedos que produz um som de madeira.

6.
e ela ergue-se, porque algo lhe apedrejou a distracção; (toda a distracção é uma adúltera: e apedrejam-na): e pergunta-lhe qualquer coisa. mas o homem não ouve e a mulher não torna a perguntar.

7.
também uma pergunta que se não ouve é um gesto invisível.