sexta-feira, 20 de novembro de 2009

método para reformar sentimentos negros contra os filhos

há excesso de nervos em certas almas, como há excesso de ureia em certos sangues. e qualquer regime para almas exasperáveis deveria evitar alguns tipos de ruído, os desapontamentos e a desobediência, a tosse, a chuva, a estupidez, a desobediência, a incompreensão e a desobediência. é pois muito difícil que o pai de um adolescente se mantenha fiel a esse regime de evitamentos, posto que, no crescimento de um adolescente, o que o faz precisamente crescer é um concentrado de ruído, desobediência, estupidez e tosse. todas as manhãs, contudo, acordo amando profundamente o meu adolescente. é ao longo do dia que o amor me vai sendo amputado; mas mesmo amputado o sinto, a esse amor, como os homens fisicamente amputados continuam sentindo braços e pernas que lhes explodiram e não existem. e é também verdade que, tal como a cauda de uma lagartixa, também este amor se renova matinalmente. o que terei de fazer é agarrar-me todas as manhãs ao amor renascente: olhar atentamente o rapaz durante esses minutos em que, na cama, todo ele resplandece, e o único ruído que faz é o que faz a dormir, e não desobedece porque não desobedece ao sono, nem é estúpido, porque sonha, nem tosse, porque dorme. seguidamente, há que não deixar que a raiva tome completamente posse de mim. a raiva acabará tomando posse de mim, mas se conseguir que não tome logo posse completamente, estarei adiando, estarei adiando. hoje adio por um segundo, amanhã, por dois, por três, e é um exercício de paciência e contenção. mas é imprescindível estar perfeitamente consciente de que o inimigo é poderoso; e de que o inimigo não é o adolescente, e sim este comportamento que parte inexoravelmente de mim e, no entanto, não reconheço como sendo meu, este comportamento que dispara, sem travões, contra o filho, este comportamento dotado de um sistema nervoso próprio e uma fúria própria, maior do que a minha própria fúria. preciso vigiar quotidianamente este inimigo. e matá-lo sempre um pouco mais. mesmo sabendo que é a mim, e a mim só, que mato um pouco mais.